Múltis ditam as regras no novo cenário de mercado
O Brasil e a Austrália, os dois maiores produtores mundiais de minério de ferro, vão aumentar ainda mais a oferta da commodity, independentemente da queda nos preços.
Ano passado, a cotação ficou abaixo de US$ 70 a tonelada no mercado à vista da China, um dos menores patamares dos últimos anos. Vale, Rio Tinto e BHP Billiton, as três maiores mineradoras mundiais, continuarão ampliando a oferta sem piedade. Com esse movimento, as grandes devem "empurrar" para fora do mercado empresas pequenas e médias de maior custo de produção. A lista de fechamentos inclui mineradoras chinesas, mas também australianas e brasileiras de menor porte. Outras candidatas a fechar as portas são empresas de países sem tradição na exportação, como México, Rússia, Malásia, Indonésia e Irã, que entraram no mercado em momento de alta dos preços.
O minério de ferro volta a ser um negócio em que a escala e o domínio das cadeias logísticas é muito importante. Vai haver uma redução significativa dos países exportadores de minério de ferro, o que já começou a acontecer, diz Luciano Siani, diretor-executivo de finanças da Vale.
Consultorias e bancos de investimento estimam que os fechamentos de capacidade em 2014 alcançaram volumes entre 48 milhões de toneladas e 83 milhões de toneladas de minério de ferro. O número inclui fechamentos na China, principal consumidor da commodity, e em outros países. A queda contínua nos preços tende a aumentar ainda mais esses números, mas o fechamento de capacidade tem se mostrado mais lento do que o mercado esperava há alguns meses. A consultoria CRU diz que, no atual nível de preços, cerca de 26% da produção global de minério de ferro pode não estar gerando caixa em nível suficiente para fazer frente aos custos.
Ao mesmo tempo, os grandes produtores mundiais seguem apostando no aumento da escala e na melhoria da qualidade de seus produtos para ganhar território no mercado. Para 2015, Rio Tinto, BHP e Fortescue Metals, mineradora de ferro que surgiu como nova força na Austrália, devem acrescentar uma oferta de cerca de 70 milhões de toneladas de minério de ferro, nas contas da Corretora Itaú BBA. Se for somada a produção extra de Vale para o ano que vem, estimada pela corretora em 28 milhões de toneladas, chega-se a um número próximo de 100 milhões de toneladas adicionais. É preciso considerar ainda o projeto Minas-Rio, da Anglo American, no Brasil, que deve acrescentar mais 10 milhões de toneladas no ano que vem, nas contas do mercado.
A visão da CRU é que mais 170 milhões de toneladas de minério de ferro vão atingir o mercado nos próximos cinco anos. A conta inclui dois projetos no Brasil: o S11D, da Vale, no Pará, de 90 milhões de toneladas, e o Minas-Rio, no auge a 26,5 milhões de toneladas. E considera também o projeto Roy Hill, da Hancock Prospecting, da Austrália, com capacidade de 55 milhões de toneladas, mas não inclui expansões da BHP e Rio Tinto.
2014 foi um ano extremamente forte para o mercado internacional de minério de ferro em termos de acréscimos de produção vindos do Brasil e da Austrália, disse Laura Brooks, consultora sênior da CRU para siderurgia e materiais básicos. Os preços atuais, diz, representam um mercado muito fraco, mas a médio prazo a tendência é os preços se estabilizarem em cerca de US$ 80 por tonelada.
Siani, da Vale, não tem dúvida de que 2015 será um ano difícil para o mercado de minério de ferro pela combinação de capacidade entrante e mineradoras perdendo terreno em um ambiente de crescimento da demanda tímido, na faixa de 1,5% a 2%.
É muito provável que com esse crescimento da demanda a capacidade adicional que vem dos grandes produtores preencha o vazio que está sendo deixado por quem está saindo. Assim, como a demanda não cresce de forma vigorosa, não haverá muito espaço para uma recuperação importante de preços, prevê Siani.
Os bancos trabalham com projeções entre US$ 80 e US$ 90 por tonelada a médio e longo prazos. Em relatório recente, o Goldman Sachs disse que o pico de preços desde 2009 ocorreu em fevereiro de 2011, com US$ 192 por tonelada. O banco trabalha com uma situação de mercado atual de excesso de capacidade e prevê um preço de US$ 90 a tonelada a longo prazo.
Para Siani, é preciso que o processo de saída de produtores marginais se prolongue por mais um tempo, bem como a absorção da capacidade adicional ocorra, para que o mercado possa ver qualquer recuperação mais vigorosa nos preços. "E isso só deve ocorrer a partir do fim de 2016, começo de 2017. Teremos dois anos andando de lado", afirmou Siani. Ele não quis arriscar o que isso vai significar em termos de preço: se US$ 65 por tonelada, como indicou recentemente o Citi em um relatório, US$ 70, US$ 80 ou US$ 90 a tonelada.
O que buscamos é ser cada vez mais competitivos para gerar valor para os acionistas, qualquer que seja o nível de preços, disse Siani.
A Vale trabalha com a estimativa de que o mercado transoceânico de minério de ferro atinja 1,39 bilhão de toneladas em 2014, com alta de 12% sobre as 1,24 bilhão de toneladas de 2013. O número é um pouco diferente da projeção do Credit Suisse, que estima um mercado transoceânico de 1,37 bilhão de toneladas. De qualquer maneira, o volume representa um salto desde o começo dos anos 2000, quando as exportações no mercado internacional de minério de ferro situavam-se na faixa de 450 milhões de toneladas (ver tabela).
Em relatório recente, o Credit Suisse disse que a indústria de mineração passa por um ajuste doloroso. Avaliou que a demanda insaciável da China na última década foi resultado do crescimento de um modelo de investimento intensivo. Esse modelo resultou, por sua vez, no consumo de cerca de 60% da produção global de minério de ferro, algo sem precedentes na história recente.
Mas a China é, além de consumidor, um grande produtor de minério de ferro. E na situação atual começou a cortar na carne. Várias minas chinesas pararam de produzir com a baixa de preços. Dados do escritório da CRU em Pequim indicam que algumas minas começaram a fechar como resultado de exigências das autoridades que querem limitar o transporte nas redondezas de Pequim.
O escritório da CRU mostrou, ainda, que a mina privada situada na província de Shandong fechou as portas. Também uma usina privada de aço em Chengde, província de Hebei, que usava 100% de minério doméstico, começou a fazer importações da matéria-prima a partir de julho, informa a CRU.
Mas Laura Brooks, da CRU, diz que pequenas minas privadas e outras estatais chinesas estão conseguindo se manter no mercado, sem apoio governamental, adaptando-se ao novo cenário de preços, com cortes de custos. E assim poderão ficar mais tempo. Produtores chineses podem formar estoques à espera de melhorias.